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Eu sei de mim, de mim sei eu. Ainda bem. Um blog solo de Álcio e Suas Vozes Na Cabeça.

Wednesday, March 01, 2006

Correio do Povo - 26/02

(V)elho (I)nteresse (P)ela (S)eleção
Por Juremir Machado da Silva

Vejam como um show pode levar a reflexões sociológicas e ao cruzamento de autores em muito antagônicos, mas transversalmente complementares. O mega espetáculo dos Rolling Stones em Copacabana pode ser interpretado a partir das idéias de Michel Maffesoli, Jean Baudrillard e Pierre Bourdieu. Claro que alguns preferem recorrer ao "pensamento" tropical do político Arnaldo Jabor, do humorista César Maia e do comentarista cultural Bussunda. O evento, enfim, foi, ao mesmo tempo, um ritual hedonista e tribal (Maffesoli), um simulacro de participação e acontecimento (Baudrillard) e um campo de lutas pela distinção social (Bourdieu).

A mídia investiu na leitura do evento como "acontecimento": o maior show de todos os tempos; o fato que marcará para sempre o Rio; o grande encontro da paz. Conversa fiada. Pode-se até dizer, parafraseando Baudrillard, que o show dos Stones não aconteceu. As pedras rolaram na areia sem que nada tenha mudado na paisagem da indústria cultural. Em suma, o show foi o que todo show é e sempre foi, um momento de entretenimento e diversão. Nada mais. E está muito bem assim. A lógica do simulacro, contudo, implica fazer crer que houve, mais do evento, um acontecimento, uma ruptura, uma mutação, um marco, um novo começo. Velhos roqueiros e adolescentes ainda pensam no rock como algo que transforma o mundo. É bonito e ingênuo. Além de falso.

A efervescência do hedonista, porém, de fato aconteceu. A tribo de mais de um milhão de pessoas se reuniu, vibrou em conjunto, suou, sentiu prazer e medo. Depois, foi para casa como num pós-11 de setembro, em que tudo mudou e permaneceu como antes. A música não transforma o mundo. Nem qualquer tipo de arte. Por mais radical e inovadora que seja, a arte é sempre uma distração. De resto, nada mais importante do que conseguir distrair alguém. É por isso que jogadores de futebol, artistas e estrelas, como Mick Jagger, ganham tanto dinheiro. Eles têm o dom de fazer o mais difícil: distrair-nos, dar-nos horas de entretenimento e de evasão.

Só que o campo de lutas, tomando emprestado o conceito de Bourdieu, nunca se cala. Cada evento é uma possibilidade renovada de distinção social. Ao mesmo tempo em que se deseja vibração do estar-junto, quer-se a honraria suprema de ser diferente. O VIP é a mais nova encarnação do valor superior da nossa sociedade baseada na fama e no espetáculo: a distinção. Houve muita crítica ao que se considerou número excessivo, 3,5 mil, de VIPs selecionados para ver os Rolling Stones em situação privilegiada. Alguns jornalistas chegaram a dizer que o Brasil inteiro não tem tantos Vips assim. Ou seja, VIP em demasia, banaliza a categoria e dimuniu a distinção. Mas o VIP não pode ser único, pois não teria oportunidade de encontrar os que contam nesse mundo e, por isso, aumentam seu capital de distinção.

O ideal seria algo em torno de 200 pessoas. Assim, entrariam os muito ricos, os muito lindos, as gostosas e os donos do poder. O restante ficaria de lado para reforçar a importância de quem está dentro. VIPs e não-VIPs são a nova versão da luta de classes. Imaginem a sensação de importância de um sujeito que está entre os 3,5 mil eleitos tendo atrás 1 milhão e 200 mil invejosos ou desejosos de estar em seu lugar. Para conseguir essa posição na pequena tribo dentro da megatribo, muita gente simula sua importância e, como bom mágico, acredita no próprio truque. Ao voltar para casa, tem certeza que o seu mundo nunca mais será o mesmo. Até o próximo evento, quando terá novamente de provar que continua sendo o que acredita ser sem necessariamente ter sido. Anarquista empedernido, eu sonho com um mundo sem VIPs.

Já imaginaram um show ds Stones, na praia de Copacabana, sem áreas reservadas, com todos os mortais tendo de lutar pelo seu grão de areia? Dificilmente isso acontecerá por uma razão simples: A humanidade adora idolatrar, e a massa se jogaria em cima dos famosos para sufocá-los, pedir autógrafos, sequestrá-los por paixão, fazer-se estuprar ou simplesmente declarar seu amor incondicional pela fama. o que levou boa parte do imenso público ao show de Copacabana, inclusive eu, não foi a música da banda de Jagger, mas a fama dos Stones. Como escreveu um jornalista, "eles até parecem gente como a gente". E são. Exatamente como nós. VIPs ou Astros.

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