Carta ao Síndico
Ilmo. Sr. Síndico
Como tem passado V. Sra.? Espero que muito bem, gozando de saúde e paz.
Aqui no condomínio as coisas andam agitadas... e, de certo modo, temerárias. Alguns moradores simplesmente não conseguem mais viver pois estão sob a égide do medo, outros vão levando como dá e o restante perdeu a cabeça de vez., pois não tem absolutamente nada a perder.
Explico em partes.
Quanto à casa, V. Sra. ainda nos concedia alguns mimos e reparos no prédio de tempo em tempo (mesmo que do seu jeito todo especial, na última vez tivemos que usar uma arca...). Ultimamente temos tido problema de infiltrações potentes na Indonésia, e elas são preocupantes, pois já levaram embora milhares de moradores. Da mesma forma, a rachadura na parede oeste da casa, no segundo andar, onde moram os ricos, está crescendo aos pouquinhos e eles estão dando risada, pois o reboco cai na nossa cabeça sempre, e não nas deles. No porão, estamos com um buraco mutante. Ele está se alatrando rapidamente e derretendo todo o gelo que tínhamos estocado. Receio que em breve teremos mais uma inundação...
Algumas brisas mais fortes seguem atingindo o segundo andar, causando vários estragos, o que não é nenhuma novidade. Porém, pasme o Senhor, aqui embaixo também temos tido problemas com os ventos!! Não me lembro de ter lido no nosso contrato que teríamos esse tipo de situação aqui. Devem ser as letras pequenas que teimei em não ler.
Quanto aos moradores, irmãos têm se cutucado com espadas no canteiro oriental méio do terreno. Os demais moradores sempre os deixaram quietos, pois não temos a condição real de entender seus anseios e história (parece que há uma disputa muito grande pelos banquinhos na sombra, tudo por causa de uma tal água escura e viscosa que jorra ao redor deles... mas isso eu ouvi falar pela vizinha do 71, portanto, a fonte é discutível). Para piorar, os vizinhos ricos sabem que sem aquele “ouro negro”, sua casa irá cair... e rapidinho... Para resolver isso, enganaram alguns moradores mais afoitos para entrar em seu clubinho de vantagens e mandaram alguns rapazes de dezoito anos para resolver a questão por lá. Enquanto isso, os que ficaram elegeram um representante por duas vezes consecutivas, mesmo sem o apoio do prédio inteiro. Para mim isso tudo cheira a birra... sabe como é... “nós podemos!”. Não sei mais por quanto tempo o resto de nós agüentará a baderna feita por eles. Pois já passam das 22 horas e eu quero dormir!!
Eu sei que isso é problema deles, porém já está respingando aqui ni nóis.
Quanto ao nosso andar... Sr. Síndico, eu cumprimento todos os moradores, mas às vezes alguns me olham torto ao lhes desejar “bom dia”. Não sei exatamente o que fiz para ele, mas... sei lá...
Veja só: de uns tempos pra cá têm sido difícil levantar e caminhar. Temos respirado, e isso é bom. Mas por quanto tempo? Alguns fanfarrões têm tomado de assalto nosso andar com tamanha violência que não sabemos exatamente mais o que fazer. Elegemos profetas e eles estão em casa, contando o dinheiro arrancado das almas dos ex-viventes e aqueles que teimam em sobreviver! (Seu Filho que deve estar muito chateado com essa situação toda, pois sua classe laboral está sendo flagrantemente vilipendiada por falastrões, picaretas e falcatruas). Não entendo... todos disseram que eles seriam a solução, ao contrário dos que antes estavam aqui em cima do pedestal. E nada!!!! Porém, o jornalzinho do andar não publica mais com tanta veemência o que vemos sempre nas ruas: roubos, assassinatos, brigas, etcs... Acho que somente eu não enxergo, ou não entendo, mais nada. Os vizinhos aqui estão se matando a torto e a direito por nada. Tenho receio de que numa hora dessas sobre pra mim e meus queridos, que estamos quietinhos no nosso canto.
E assim vão as coisas, não temos tido muita segurança e nossa casa tem virado prisão. O que mais me incomoda é que a enchente de sangue que jorra abundante lá fora, tem começado a inundar as nossas casas,e se abrirmos as portas faremos parte desse oceano. O papel que criamos para nos organizar está cada vez mais nas mãos de poucos, e os demais também querem uma fatia do bolo. Porém, ninguém agüenta mais ficar na fila.
Deitamos e acordamos sem a certeza do que nos aguarda, e isso me preocupa, pois não sei o que será das crianças que agora estão crescendo. Posso até soar meio “velho rabugento”, mas NÃO QUERO, e enfatizo isso, NÃO QUERO BUNDALELÊ AQUI EM CASA!!! Quero ver meus netos receberem minha herança, orgulhosos de um trabalho bem feito. Porém o que poderei lhes dizer quando chegar o tempo é “hei, hei, hei! Já estava assim quando cheguei, pô!”.
Senhor Síndico, esta é apenas uma carta contendo algumas das reclamações mais urgentes que tenho a fazer sobre nosso condomínio. Não sei como Você está de tempo, mas acredito que tempo não é problema para o Senhor. Por favor, venha até aqui e dê uma olhadinha em como estamos. Creio que até o Senhor irá se assustar com o nível em que nos encontramos. Ainda que o Senhor tenha nos dado todas as fontes para nossa felicidade e crescimento em união e fraternidade, muitos se negaram a ler o manual.
Espero que essas críticas façam eco e que possamos ter uma solução em breve.
Até logo e um forte abraço do amigo!!
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Sr. Fatso
Infelizmente sua correspondência não pôde ser entregue por motivo de mudança de endereço do destinatário.
Agradecemos a preferência e tenha um bom dia.
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